10 Peculiaridades de As Crônicas do Gelo e do Fogo que contribuem para seu sucesso

Domingo encerrou-se mais uma temporada de A Guerra dos Tronos, na HBO e que além de provar enfaticamente a impossibilidade de fugirmos dos spoilers, parece ter agradado aos fãs da série, todos muito entusiásticos com o final da temporada (ah, e que aproveito para dizer, não assisto, acho os livros bem melhores). Neste post uma seleção de peculiaridades que fazem de As Crônicas do Gelo e do Fogo todo este sucesso:

1 - É mais antigo do que você imagina: Alguém mais desavisado poderá pensar que a vida se inicia só após a série de televisão, em 2011, contudo a primeira publicação de A Guerra dos Tronos se deu lá nos longínquos anos de 1996, ou seja, há 20 anos, e conquistou entre os anos de 96 e 98 os principais prêmios literários do gênero, como Nébula, Hugo e Locus;

2 - Demora para chegar aqui: Para o inverno também chegar por aqui levou algum tempo, só em 2010 sendo publicado pela editora Leya após uma movimentação muito forte de fãs, especialmente pelo empreendimento do escritor Raphael Draccon, um dos principais responsáveis pela chegada do livro por aqui;

3 - Personagens humanos e cinzentos: Adentrando diretamente a obra, uma das coisas mais interessantes da saga é justamente conseguir discutir através de perspectivas bastante humanas, cheias de falhas e virtudes, no que Martin chama de personagens cinzentos, pois nada é totalmente estabelecido, não há só bem ou mal previamente definidos, como acontece geralmente nestas obras épicas. Nas Crônicas os limites éticos, morais e humanos estão esgarçados, e ao mesmo tempo que um personagem pode parecer heroico, pode logo ali na frente fazer uma grande cagada. Essa constituição dos personagens é que os leva a morrer e a matar, normalmente causando espanto e choque nos leitores;

4 - Não há "o protagonista": O narrador em terceira pessoa das Crônicas é de fato alguém com uma mente privilegiada, afinal consegue saltar por uma série de perspectivas acompanhando uma farta quantidade de personagens diluindo a presença de um protagonista clássico. Com isso, na trama todos podem conquistar ou perder espaço, um movimento contínuo assim como é a vida;

5 - As mulheres: Há muita discussão sobre a questão feminina nas Crônicas, especialmente pela farta quantidade de estupros e violências sexuais, entretanto, como uma obra pode ser representativa sem escancarar nossos problemas? Na verdade, o que deve ser destacado é que raramente vemos tantas personagens femininas destacadas na literatura como na saga, de Cately a Arya, Sansa, Daenerys, Cersey, Brienne, cada uma delas muito diferente das outras, mas importantíssimas na obra e detentoras de muito poder, conquistados sempre de maneiras diferentes. Na obra de Martin, como raramente acontece na literatura, as mulheres não estão à sombra dos homens;

6 - A barbárie humana: Por incrível que pareça a barbárie e a tragédia sempre exerceram fascínio sobre a raça humana, e nesse quesito a fantasia das Crônicas reúne muito mais da realidade do que muitos podem imaginar, pois todas as barbáries e crimes de guerra que acontecem ao longo da saga, acreditem ou não, já ocorreram num ou outro momento da nossa história, Martin não cria, ela conta o que fomos;

7 - Personagens mais intrigantes e complexos da literatura recente: Certamente os volumes das Crônicas devem estar na seleta meia dúzia de obras relevantes surgidas nas últimas três décadas, e um dos fatores é de que Martin consegue constituir personagens de bastante profundidade e complexidade. A grande maioria deles é uma grande poço completo de camadas das quais poderiam nascer centenas de teses. Creio que essas complexidades encontram ecos nos leitores que já há muito abandonaram a ingenuidade, e assim percebem que as coisas são muito mais complicadas e turvas;

8 - Forma e conteúdo: Além disso tudo, se o cerne da obra está cheio de virtudes de composição, num universo amplo como poucos da fantasia, uma grande quantidade de personagens (complexos), a forma narrativa das crônicas em sua narração em terceira pessoa saltando entre diferentes perspectivas de diversos personagens é mais um fator da amplitude da obra. Aliás, hoje já vemos muitos autores tentando seguir o estilo dos capítulos de Martin, geralmente sem muito sucesso;

9 - Alta literatura com cultura pop: Com tudo isso, algo que dificilmente é possível, vemos s Crônicas obter sucesso em diferentes campos, tanto na crítica, quanto nos ambientes de cultura pop, que aliás, ampliam a obra através de uma série de criações para além da obra literária;

10 - Fato único: Contudo, creio que a coisa inédita mesmo deu-se este ano com a nova temporada da série da HBO. Não recordo de outras obras cujas adaptações se deram após o término da própria obra, como acontece agora com a sequência na televisão, enquanto ainda restam dois livros da série a serem publicados, o que inevitavelmente pôs a televisão na frente dos livros. Isso é curioso porque sabemos que adaptações constituem uma nova obra, processo que se inverte agora, afinal os livros são a origens, mas será que estes dois últimos mantém isso, ou será o avanço da série que os guiará. Creio que estamos diante algo muito novo no diálogo entre artes.

4 Comentários

  1. Belo texto!
    Mas acho que devia ver o seriado, Douglas, pois, ainda que não seja do mesmo nível que os livros, alguns detalhes podem ser vistos como uma reescrita de Martin ou mesmo com uma história diferente, ainda mais que o seriado se distanciou dos livros

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    1. Pois é Leno, sofro com a síndrome do "medo de leitor para com adaptações" rsrs. Mas sim, acho importante essa observação das coisas que se unem e que se distanciam nas diferentes plataformas da obra.

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  2. Perfeita sua análise, Douglas. As Crônicas são aquela rara conjunção de qualidade e apelo que as vezes encontramos na arte. Eu resisti a começar a ler os livros, mas quando o fiz, rapidamente percebi o porquê de seu sucesso.

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    1. Obrigado Sergio. Provavelmente hora dessas também cai minha resistência quanto à série.

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